Um candidato aprovado no concurso da FUNDATEC – Fundação Universidade Empresa de Tecnologia e Ciências, nas vagas destinados a negros e pardos, conseguiu uma liminar para continuar no concurso.
Ele foi eliminado do concurso por não ter sido confirmada sua autodeclaração no procedimento de heteroidentificação, mesmo tendo obtido nota suficiente para a aprovação na ampla concorrência.
Sumário
Eliminado do concurso, mesmo tendo obtido nota suficiente para a aprovação na ampla concorrência
Uma coisa é ser excluído das cotas raciais e permanecer na ampla concorrência.
Outra coisa completamente diferente é ser eliminado completamente do concurso porque a Comissão de Heteroidentificação não considerou que o candidato possuía os fenótipos de uma pessoa negra ou parda.
Tanto a Instrução Normativa nº 04/2018, do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, como o Edital do certame estabelecem a eliminação do candidato quando não for confirmada a autodeclaração do candidato em procedimento de heteroidentificação, ainda que tenha obtido nota suficiente para a aprovação na ampla concorrência e independentemente da alegação de boa-fé.
Contudo, nas palavras do próprio juiz, tal entendimento “viola o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, na medida em que a classificação da impetrante dentro do número de vagas da modalidade ampla concorrência, em nada prejudicaria os demais candidatos que disputam as vagas reservadas”.
O princípio da proporcionalidade e da razoabilidade são princípios não escritos, cuja observância independe de explicitação em texto constitucional, porquanto pertencem à natureza e essência do Estado de Direito.
Recurso Administrativo de Cotas Raciais
Contratado pelo candidato, o escritório Peterson e Escobar Advogados interpôs recurso administrativo, mas a banca o indeferiu, alegando mais uma vez, e de forma genérica, que o candidato não possuía os fenótipos de uma pessoa negra ou parda.
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Ação judicial de Cotas Raciais
Em sede de ação judicial, juntamos laudo dermatológico atestando que o candidato está no nível IV da Escala de Fitzpatrick, (Sociedade Brasileira de Dermatologia – SBD), que nada mais é do que uma prova técnica que fundamenta que o candidato deve permanecer na lista das cotas raciais.
Além disso, sabendo que a maioria dos juízes, em sede de liminar, tende a privilegiar o princípio da presunção de legitimidade dos atos administrativos, fizemos um pedido subsidiário para que, ao menos, o candidato permanecesse na ampla concorrência até o trânsito em julgado do processo.
A estratégia, pouco utilizada pela maioria dos advogados, chamou a atenção da magistrada, que concedeu a liminar em favor do candidato.
Assim fundamentou sua decisão, a juíza Graziela Cristine Bündchen, da 1ª Vara Federal de Porto Alegre
“(…) A questão é complexa e diz respeito a identificar os negros (pretos ou pardos), e não os não-brancos, consoante salienta Allyne Andrade e Silva (http://justificando.cartacapital.com.br/2018/04/12/o-novo-processo-de-verificacao-da-autodeclaracao-etnico-racial-nos-concursos-federais/), a fim de que a política de cotas seja realizada de forma a concretizar os seus objetivos, atentando à circunstância de que a “formação da identidade racial é relacional; não depende apenas de uma percepção individual sobre si, mas da confirmação pelo grupo ao qual se declara fazer parte e pelo outro”.
Assim sendo, não se verifica arbitrariedade ou falta de fundamentação na decisão ora impugnada.
E ainda:
(…) Quanto ao pedido subsidiário veiculado, observa-se que, tanto a Instrução Normativa nº 04/2018, do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, como o Edital do processo seletivo estabelecem a eliminação do candidato quando não for confirmada a autodeclaração do candidato em procedimento de heteroidentificação, ainda que tenha obtido nota suficiente para a aprovação na ampla concorrência e independentemente da alegação de boa-fé.
Neste aspecto, todavia, há que se ter extremo cuidado em diferenciar declaração falsa, que está prevista em lei para eliminação do candidato, da mera não confirmação da autodeclaração pela Comissão responsável pela verificação do candidato. Isso porque, somente na hipótese de inexistir qualquer justificativa sobre o sentimento de pertencimento à etnia negra, ou da condição de pardo, poderia se cogitar essa conclusão. Nota-se que a eliminação se dá independentemente da alegação de boa-fé, o que parece também violar o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, na medida em que a classificação da impetrante dentro do número de vagas da modalidade ampla concorrência, em nada prejudicaria os demais candidatos que disputam as vagas reservadas.
Portanto, em um juízo sumário da causa, há que se concluir que não bastaria a mera não confirmação da autodeclaração para eliminação do candidato, mas haveria de ter uma fundamentação clara sobre a má-fé deste ao lançar declaração com o intuito de fraudar o concurso, o que não ocorre no presente caso.”
Fonte: Processo 5058682-79.2022.4.04.7100.
Advogado revela como candidatos que foram excluídos das cotas raciais no exame de heteroidentificação conseguiram voltar para o concurso na lista de negros.
Infelizmente, inúmeros candidatos cotistas estão sendo eliminados em concursos públicos por não ter sido considerado negro ou pardo (isso acontece principalmente com pessoas de cor parda).
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